sábado, 26 de outubro de 2019

O NAMORO DE JOAQUIM JOSÉ DA SILVA


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O NAMORO DE JOAQUIM JOSÉ DA SILVA
(conto)

Em 1961 tinha rebentado a guerra de guerrilha, em África então dita portuguesa, porque algumas parcelas compunham o domínio Colonial de Portugal. Na altura já havia uma grande mobilização de mancebos para a Guerra de África.
Acontece que as estruturas ainda iam sendo criadas. Como resultado, algumas unidades entretanto aprontadas, tinham de ser adidas, a outras unidades esperando embarque, rumo à Guerra.
Foi assim que ainda em 1961, estavam duas companhias, cerca de 750 homens em Faro, capital do Algarve.
Quase no início, a determinada altura, a velha farda cinzenta, fui substituída por farda camuflada, mais adequada aos terrenos largamente de matas.
Porém a nova farda conferia galhardia aos soldados, homens na adolescente flor da vida.
Tanto era assim que, quase cada soldado, havia-os de todo o país, teria conquistado a sua namorada, ou Madrinha de Guerra, que depois “subiria de posto”, ou seja a namorada.
Mas nestas coisas há sempre sofismas, como se vai ver:
Militar de Cavalaria, o Gregório, das bandas de Viseu, encetou namoro com uma empregada doméstica, a Marília, que andava encantada, mas aquele dera-lhe o nome e número diferentes dos dele.
Embora mobilizados e ali adidos, a determinada altura, dera-se a perda da Índia e o Assalto ao quartel de Beja, mercê do que toda a tropa entrou de prevenção, situação em que os portões do quartel estavam fechados e era vedado aos soldados saírem.
É então que a Marília escreve ao namorado, com as referências que este lhe tinha dado.
Como sempre o correio, destinado aos elementos da companhia, era entregue na secretaria, na hora do almoço, com os soldados em formatura, o mesmo era distribuído pelo Sargento de Dia, tudo bem:
- Até que, a determinada altura, é gritado; António Manuel da Silva, 1269!...
Gregório apresenta-se a receber a carta e ouve do Furriel, Sargento de Dia, alto aí, tu não és 1269. Bem o Gregório la explicou o porquê, e aquele a rir, lá entregou a carta.
O namoro terá continuado, ate que um dia à noite, toda a tropa adida. Embarcou na Estação Ferroviária da Capital do Algarve, com esta apinhada de gente para a despedida. Decerto a Marília também lá estaria, mas ali perderia o rasto do Gregório.
Porém, Gregório um bom companheiro, veio a ser o primeiro da companhia, a morrer em operação militar.
Já então, numa operação, tinha protagonizado um episódio, deveras digno de ser fixado:
- Nessa; havia sido aprisionado um guerrilheiro de 15 anos, que nas mãos da tropa desata a gritar: a tropa estragou a minha vida!...
Ao lado vinha ele Gregório, este ainda levantou uma catana, para o degolar, porém o militar Comandante da Operação, teve tempo de o impedir.

Daniel Costa


sexta-feira, 16 de agosto de 2019

POÇO DA BARROCA

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POÇO DA BARROCA (conto)
Em tempos, quando as aldeias ainda não eram electrificadas, em determinada urbe, quando os aldeões só se reunião aos Domingos, nas tascas, a confraternizar entre uns copos de três; a medida convencionada do vinho para as libações, na época.
Por vezes era comentado, que nas noites de lua nova, pela meia-noite, apareceriam fantasmas no cruzamento do Poço da Barroca.
No entanto nunca ninguém, em concreto, que se soubesse, tivera algum encontro com fantasmas para contar.
Ainda era o tempo de não haver electrificação, nas aldeias, nem tão pouco, geradores eléctricos, para os arraiais das festas anuais… As montagens sonoras e eléctricas, no dizer dos seus condutores, ao microfone, nas ditas cabines de som improvisadas.
Nas mesmas, a iluminação era feita por petromax, assim chamados, é de crer, uma derivação de funcionarem a petróleo.
Nas bancas que funcionava, sempre no recinto, utilizavam gasómetros a carboreto, uma espécie de pedra, que  ia gastando até esta ficar liquida,
Portanto, em lua nova, afora este recinto, tudo aparecia escuro como breu, que contrastaria com a dita alvura de algo fantasmagórico
Até que um dia Pedro Pirata, um rapagão bem constituído, então criado, moleiro de um dos quatro moinhos em fila, no alto da aldeia:
- Ao passar, no cruzamento junto ao Poço da Barroca, cerca da meia-noite, ouviu algo de estranho.
Bem atento, sem se amedrontar, encostou-se a uma das casas circunvizinhas, procurou entender do que se tratava, tanto mais que a dita, tradicional, alvura de fantasma não se apresentava.
Tão atento estava, que naquela escuridão, pôde observar que, o que poderia ser tomado por fantasma, se estes existissem, de facto, não passavam do vulto de um aldeão a abastecer-se de água.
No Domingo seguinte, lá estava na tasca, na habitual confraternização a contar do “fantasma” avistado, ao passar cerca da meia-noite, no cruzamento do Poço da Barroca.
Daniel Costa

segunda-feira, 20 de maio de 2019

O TEDDY BOY


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O TEDDY BOY

“O Teddy Boy tem botões de latão / Só lhe falta o boné para ser guarda portão”!

Nos anos cinquenta, do século XX, foi muito popular a figura de “Tedd Boy”, que os grupos musicais, dedicados ao Rock and Roll, iam imortalizando.
Os “Teddy Boys”, faziam parte da adolescência, da sociedade urbana das grandes urbes
É nesse contexto, que esta história se insere:
- Era eu empregado de balcão, num pequeno bar onde, a partir das 10.00 horas da noite, ficava sozinho a trabalhar.
Certo dia apareceu um cliente a querer parecer um desses “Teddy Boys” ou “alfacinha de gema”, como eram também então, apelidados certos elementos da adolescente juventude da cidade de Lisboa.
O cliente de aspecto altivo, moreno, de fisionomia incaracterística, diria com cerca de trinta anos. Embora se apresentasse, a crer passar como estando na onda dos “Teddy Boys”.
Parecia, no entanto, pouco urbano, para pertencer e esse movimento.
Como cliente, mostrou pouco à vontade, o que em nada era condizente, com esse grupo.
Vestido a rigor de fato e engravatado, foi fazendo conversa e a certa altura, dizendo ser oficial miliciano, em que baseava a sua credibilidade, pediu-emprestados 70$00, porque tinha combinado uma ceia, com uma miúda com quem se ia encontrar e estava, sem dinheiro para o efeito.
Logicamente, como resposta recebeu a nega, não havia tal importância, disse, como desculpa; razoável desculpa, talvez a já esperada.
Porque a seguir, voltando a invocar a qualidade de oficial miliciano como garantia, seguiu sugerindo retirar a importância da caixa registadora.
Claro que nem pensar numa coisa dessas. Não era por acaso que o patrão me considerava, a ponto de ter passado e me ter deixado só, como sempre o fazia, sendo eu que, sempre cerrava o estabelecimento.
Nessa hora, já a Avenida estava deserta e eu pensei no pior e o pior seria um assalto.
Preparei-me, afivelado um ar de respeito que exibi, ao mesmo tempo que estava disposto a enfrentar qualquer tentativa de golpe.
Mas tudo ficou, naquele exacto ponto, em pouco o “Teddy Boy”, arredou pé e terá ido bater a outra porta.

Daniel Costa

quinta-feira, 9 de maio de 2019

GINGINHA COM ELAS


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GINGINHA COM ELAS

Nos alvores da mocidade designou-me a boa fada para um lugar de "barman" numa daquelas casas já em desuso, mas que foram pontos de encontro obrigatórios para boémios da bonita Lisboa.
Algumas desses estabelecimentos ainda existem com a palavra  Ginjinha a compor o nome.
O ara do mister situava-se junto do celebérrimo Parque Mayer, outro lugar que as musa jamais deixarão de proteger, pelo que esse cantinho de Lisboa tem sido fonte de inspiração a boémios, poetas, pintores, prosadores e que seu eu?
Talvez mesmo a escroques, numa miscelânea do sagrado com o profano.
Acumulando com o afã dos estudos, orgulhosamente servia as ginjinhas, popularizadas em vozes de oiro, como a de Hermínia Silva, por exemplo.
Servia-as a pessoas famosas e não famosas. Ministros, vendedores de jornais, estudantes, pintores, escritores, artistas, turistas, criminosos, criminologistas, etc.
Considerava vantajosa experiência, de viver rodeado de gente de todas as classes sociais.
Experimentava, pelo facto, um orgulho extraordinário.
O desempenho diário da minha missão, naquele lugar que considerava maravilhoso e que jamais deixarei de evocar. Cessava com o badalar das duas da matina, hora em que por esse país cantam milhões de galos, anunciando o despertar do primeiro sono.
Num desses belos dias, mesmo à hora de encerrar, em que já por habituação o corpo exigia o merecido repouso, entra um estranho cliente.
Personagem de aspecto solitário, olhos pequenos, nariz achatado, olhar meio trocista.
A sua idade seria cinquenta anos; cinquenta anos calmos e dominadores.
Fazia lembrar; qual judeu errante procurando avoengos que, tivessem gozado o privilégio de terem tido por berço a sonhadora Lisboa.
Com naturalidade, foi solicitando bebidas que ia ingerindo com calma de grande filósofo.
Ia correndo o tempo, a hora de encerrar a "tasca" fora ultrapassada.
Os transeuntes, na sua maioria artistas, que iam saindo libertos das suas obrigatórias actuações nas salas do Parque Mayer, entravam felizes pelo ensejo de ainda poderem tomar a ginjinha e iam ficando, atraídos pelo personagem.
Mantendo a mesma serenidade, o mago já desbobinava o seu "show" de dialectos, que iam desde o português abrasileirado, até à língua dos czares, passando pelo espanhol aportuguesado, italiano, Inglês, francês e alemão.
A madrugada já se aproximava veloz e principiara ele a demonstrar outra face:
- A leitura nas linhas da palma da mão, de cada circunstante. Sempre a mágica serenidade de que só são possuídos querubins ou serafins.
A mistura de serenidade e palavras magicamente arrazoadas, pareciam já capazes de arrastar uma multidão para o mais inóspito deserto...
Havia já sido formado um grupo, assim em jeito familiar. Cada um desatara a carpir os seus desaires. O álcool da ginjinha fazia surtir efeitos.
A vasta Avenida era completamente deserta. Na caixa registadora o metal soava, vindo dos magnos bolsos de tão espontânea clientela.
Dos escudos que se encontravam naquela, na altura, eu era eu o único responsável.
Não obstante a minha juventude, a escola que a vida me tinha ministrado aconselhou-me a suspender a sessão, com ordens sucessivas cheias de autoridade.
Embora com imprecações, os circunstantes aos poucos foram abandonado o "santuário".
Com a felicidade estampada no rosto, por sentir cumprido o; dever de empregado, cerrei a porta do estabelecimento a sete chaves e altivamente, fui Avenida abaixo assobiando uma ária a ecoar na sonhadora solidão da cidade, que ainda se quedava adormecida.
Não me deixavam, porém, a mente os presságios que me assaltavam o espírito.
No dia seguinte, entre duas ginjas, alguns consulentes da enigmática, enquanto simpática figura, comentavam como haviam sido traídos na sua boa-fé.
Certas quantias haviam sido a paga que o desconhecido levara em troca de bons presságios, que a leitura das linhas da palma da mão, foram ditando.
Sem deixar rasto, o personagem desaparecera para sempre, como que, por artes de magia.

Daniel Costa



terça-feira, 7 de maio de 2019

TI ZÉ PEREIRA



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TI ZÉ PEREIRA

Na aldeia, muito dada à produção vinícola, acreditava-se nas visões extra -terrenas, que as lendas sempre imortalizam.    
Entre dois goles de bagaço, quer ao "mata-bicho", quer depois do sol posto, para amenizar a frieza das noites invernosas, os aldeões não deixavam de falar nas inúmeras visões, de que se diziam protagonistas e outros as divulgavam, transformando-as cada qual a seu "paladar".           
No percurso entre as duas aldeias vizinhas, que se comunicam apenas por veredas térreas e medonhas, era corrente aparecerem as mais estranhas visões.  
O clássico lobisomem, que passava célere, qual furacão que não deixasse estragos.        
Um mostro estranho de vozes roufenhas, que não mais não fazia do que deixar aos seus videntes todos os pêlos eriçados.   
As almas do outro mundo sempre duma alvura contrastante com as trevas, emitindo ruídos só característicos da fúria dos elementos que assolam noites dos Invernos.        
Apareciam também "coisas":  
- Umas assemelhavam-se a grandes cobras, outras a pequenos animais de aspectos diferentes, dos que se conheciam e que pulavam na frente do transeunte num gozo freneticamente arreliador, que acabava por confundir o protagonista, pondo-o a magicar no mafarrico.
Sendo perdido, invariavelmente, ar resoluto o comtemplado com esta visão, que a princípio se apresentava divertida, acabava debandando desabridamente, qual atleta Olímpico, mas capaz de fazer inveja a este.
Também as bruxas, não raro, faziam a sua aparição, mas essas apresentavam-se sempre galhofeiras. As suas românticas partidinhas nunca assustavam. Eram, dizia-se, mulheres que tinham o condão de, periodicamente, incarnarem aquela metamorfose, que lhes dava ensejo de vingar com as suas sátiras os agravos daqueles que outrora as haviam "catrapiscado" a título de mero passatempo     
Ti Zé Pereira, fazia aquele trajecto com certa assiduidade, mercê dos seus negócios de lavrador médio e próspero. Fazia-o normalmente pela calada da noite, pois que do dia não lhe sobrava tempo da sua labuta campestre.
Ufanava-se de nunca haver detectado algo de estranho e não escondia a sua descrença naqueles factos, embora narrados muitas vezes com a maior convicção, por pessoas dignas dos maiores respeitos e créditos.
Ti Zé Pereira à medida que avançava em idade intensificava os seus passeios por aquelas veredas, qual notívago que procurasse na aldeia vizinha a sua aventura amorosa.
Quem lhe atentasse no rosto repararia, por certo, no seu ar prazenteiro, nem sempre por o negócio lhe ter haver corrido bem, mas porque no fundo nunca deixava de trazer na mente as visões, encarando-as com um ar de desafio.      
Chegou a acontecer, que o bom homem era despertado das suas cogitações pela restolhada de alguma lebre ou gato bravo, acabando por dar consigo a rir, pensando que na próxima conversa já teria o seu o seu fantasma para descrever com o "sal" que só ele sabia aplicar às suas histórias.
Um dia, porém, no regresso duma dessas rotineiras viagens, Ti Zé Pereira descortinou barrando-lhe o caminho, algo que primeiro lhe pareceu um homem inerte, depois uma larga chapa de ferro. Com o seu forte cajado de marmelo, resolutamente, tentou virar aquilo que lhe pareceu também matéria flexível e invulgar, como se realmente de ser vivo se tratasse.
Sem se assustar ainda, tentou observar e analisar o fenómeno bem de frente.
Já curvado sobre o objecto da sua curiosidade, Ti Zé Pereira ouviu uma voz, ora clara, ora rouca que, tranquilamente ia martelando as palavras:
- Quem vai, vai...Quem está, está... Quem vai, vai... Quem está, está... Quem vai, vai... Quem vai, vai… Quem está, está...   
Tanto bastou para que num ápice o destemido lavrador se encontrasse em casa, mas mais branco que as alvas paredes da sua casa térrea.
Daí em diante, quem encontrasse o Ti Zé Pereira estranhava o seu desencanto e o alheamento das coisas.
Deixara mesmo de ingerir alimentos e definhava a olhos vistos.
Não se passou muito tempo.
O sino da pequena capela da aldeia dobrava a finados pelo Ti Zé Pereira, que havia deixado o mundo das visões sem ter podido ganhar alento, para romancear a sua estranha aventura.

Daniel Costa