quinta-feira, 9 de maio de 2019

GINGINHA COM ELAS


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GINGINHA COM ELAS

Nos alvores da mocidade designou-me a boa fada para um lugar de "barman" numa daquelas casas já em desuso, mas que foram pontos de encontro obrigatórios para boémios da bonita Lisboa.
Algumas desses estabelecimentos ainda existem com a palavra  Ginjinha a compor o nome.
O ara do mister situava-se junto do celebérrimo Parque Mayer, outro lugar que as musa jamais deixarão de proteger, pelo que esse cantinho de Lisboa tem sido fonte de inspiração a boémios, poetas, pintores, prosadores e que seu eu?
Talvez mesmo a escroques, numa miscelânea do sagrado com o profano.
Acumulando com o afã dos estudos, orgulhosamente servia as ginjinhas, popularizadas em vozes de oiro, como a de Hermínia Silva, por exemplo.
Servia-as a pessoas famosas e não famosas. Ministros, vendedores de jornais, estudantes, pintores, escritores, artistas, turistas, criminosos, criminologistas, etc.
Considerava vantajosa experiência, de viver rodeado de gente de todas as classes sociais.
Experimentava, pelo facto, um orgulho extraordinário.
O desempenho diário da minha missão, naquele lugar que considerava maravilhoso e que jamais deixarei de evocar. Cessava com o badalar das duas da matina, hora em que por esse país cantam milhões de galos, anunciando o despertar do primeiro sono.
Num desses belos dias, mesmo à hora de encerrar, em que já por habituação o corpo exigia o merecido repouso, entra um estranho cliente.
Personagem de aspecto solitário, olhos pequenos, nariz achatado, olhar meio trocista.
A sua idade seria cinquenta anos; cinquenta anos calmos e dominadores.
Fazia lembrar; qual judeu errante procurando avoengos que, tivessem gozado o privilégio de terem tido por berço a sonhadora Lisboa.
Com naturalidade, foi solicitando bebidas que ia ingerindo com calma de grande filósofo.
Ia correndo o tempo, a hora de encerrar a "tasca" fora ultrapassada.
Os transeuntes, na sua maioria artistas, que iam saindo libertos das suas obrigatórias actuações nas salas do Parque Mayer, entravam felizes pelo ensejo de ainda poderem tomar a ginjinha e iam ficando, atraídos pelo personagem.
Mantendo a mesma serenidade, o mago já desbobinava o seu "show" de dialectos, que iam desde o português abrasileirado, até à língua dos czares, passando pelo espanhol aportuguesado, italiano, Inglês, francês e alemão.
A madrugada já se aproximava veloz e principiara ele a demonstrar outra face:
- A leitura nas linhas da palma da mão, de cada circunstante. Sempre a mágica serenidade de que só são possuídos querubins ou serafins.
A mistura de serenidade e palavras magicamente arrazoadas, pareciam já capazes de arrastar uma multidão para o mais inóspito deserto...
Havia já sido formado um grupo, assim em jeito familiar. Cada um desatara a carpir os seus desaires. O álcool da ginjinha fazia surtir efeitos.
A vasta Avenida era completamente deserta. Na caixa registadora o metal soava, vindo dos magnos bolsos de tão espontânea clientela.
Dos escudos que se encontravam naquela, na altura, eu era eu o único responsável.
Não obstante a minha juventude, a escola que a vida me tinha ministrado aconselhou-me a suspender a sessão, com ordens sucessivas cheias de autoridade.
Embora com imprecações, os circunstantes aos poucos foram abandonado o "santuário".
Com a felicidade estampada no rosto, por sentir cumprido o; dever de empregado, cerrei a porta do estabelecimento a sete chaves e altivamente, fui Avenida abaixo assobiando uma ária a ecoar na sonhadora solidão da cidade, que ainda se quedava adormecida.
Não me deixavam, porém, a mente os presságios que me assaltavam o espírito.
No dia seguinte, entre duas ginjas, alguns consulentes da enigmática, enquanto simpática figura, comentavam como haviam sido traídos na sua boa-fé.
Certas quantias haviam sido a paga que o desconhecido levara em troca de bons presságios, que a leitura das linhas da palma da mão, foram ditando.
Sem deixar rasto, o personagem desaparecera para sempre, como que, por artes de magia.

Daniel Costa



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